Design e inovação para a Ceasa
Tivemos a oportunidade de colaborar com a Ceasa/PR no desenvolvimento de propostas de modernização e melhorias da sua unidade de Curitiba. Entre 2013 e 2017 desenvolvemos projetos de inovação na unidade de Curitiba através de abordagens de Design Thinking e Design de Serviço. A cadeia produtiva de hortifrutigranjeiros é complexa em suas relações e o design pode contribuir, entre outras maneiras, numa visão mais sistêmica dessas inter-relações. Um dos agentes desta cadeia é o setor de Distribuição, do qual as Centrais de Abastecimento (conhecidas como CEASA/CEAGESP, por exemplo) representam um importante e estratégico ator do processo.*.
Uma Ceasa é geralmente uma empresa pública que opera um entreposto de alimentos. Parte significativa da produção agrícola destinada à nossa alimentação passa por estas Centrais e chega aos supermercados, feiras, restaurantes, entre outros. Neste período de 5 anos de que a Refazenda colaborou com a Ceasa/PR, foram 4 projetos, sendo alguns mais setorizados/delimitados, enquanto outros, envolvendo toda a Central.
O modelo de operação da Ceasa de Curitiba impacta diversos elos da cadeia dos hortifrutigranjeiros, começando desde a produção no campo, até o modo como estes produtos chegam aos supermercados, por exemplo. Logo, dentro do escopo de modernização, tivemos a necessidade de considerar e analisar profundamente os processos e jornadas dos diferentes públicos internos e externos.
Abordagem de Design
A primeira fase dos projetos foi de Imersão no contexto para compreender minimamente seu funcionamento, as necessidades, as diversas perspectivas das pessoas e as oportunidades de melhoria.
A diretriz inicial de modernização da Ceasa tinha também como pressuposto o parâmetro de atuar no limite da ideia de “melhoria”, isto é, mudanças dentro da estrutura existente. Assim, as principais técnicas adotadas nesta fase, foram:
- A Observação Direta foi uma das mais utilizadas para compreender as dinâmicas do ambiente e dos públicos. A partir dela mapeamos os locais de concentração, fluxos e pontos críticos;
- Entrevistas foram realizadas com técnicos da Ceasa, de outras instituições, vendedores e compradores para identificar suas percepções, dificuldades e ações habituais na unidade;
- Grupos de discussão e cocriação foram organizados ocasionalmente para debater temas específicos sobre a operação da Ceasa, participar de processos de criação ou validação de modelos;
- Benchmarks com Ceasas de outros estados para conhecer experiências exitosas além de um estudo junto ao Mercabana, de Barcelona – Espanha;
Sobre a Ceasa Curitiba
Ela está entre as maiores do país em volume de comercialização e recebe diariamente milhares de pessoas e veículos, movimentando uma grande quantidade de produtos. Assim, existe também uma grande variedade de situações problemáticas que impactam no dia a dia de funcionamento e nos comportamentos estabelecidos.
Os principais públicos
- Equipe técnica da Ceasa e profissionais terceirizados, especialmente de limpeza e segurança, são as pessoas responsáveis pela gestão.
- Os Permissionários são os responsáveis pelas empresas estabelecidas na Ceasa que adquiriram o direito de se instalar e comercializar a partir de um processo de concorrência pública. Assim, podem utilizar o espaço durante alguns anos;
- Os Produtores rurais podem comercializar seus produtos numa área específica chamada de Mercado do Produtor, diretamente de seus caminhões. Para utilizar o espaço precisam atender a alguns critérios e dependem da disponibilidade de vaga. Todavia, diferente da empresa permissionária (que comercializa diariamente no mesmo espaço/box), ao produtor é permitida uma frequência semanal limitada.
- Carrinheiros, também chamados de chapas, são as pessoas (principalmente jovens) que fazem o transporte dos produtos (em caixas ou sacos) dentro da Ceasa por meio de carrinhos manuais.
- Prestadores de serviços e comerciantes são os empresários e funcionários que atuam dentro da unidade nos segmentos associados, como de lanchonetes, lojas de insumos, ferramentas, caixaria, agência bancária entre outros.
Portanto, a partir das entrevistas, observações e pesquisas, os problemas e insights levantados foram analisados e categorizados em 5 temas que sintetizam os diversos elementos identificados. Elas não representam situações isoladas, mas sim interações e relações de causa-consequência.
As 5 áreas/temas foco
- Um local para experientes: a carência de informações no ambiente prejudica a circulação e experiência dos usuários, especialmente para o visitante ocasional. Situação potencializada considerando a grande extensão da Ceasa. Assim, não é fácil compreender a lógica da organização e circulação
- Sensação de formigueiro: as primeiras horas da madrugada, quando o mercado é aberto, a movimentação de pessoas, carrinhos e veículos é intensa. A estrutura física da Ceasa Curitiba foi concebida na década de 1960 e ao longo dos anos outras estruturas foram construídas. Paralelamente, o crescimento da população e o aumento da demanda por alimentos impulsionou o uso da Ceasa. Os próprios caminhões se tornaram maiores. Resultado prático: mais pessoas e veículos numa área que não comparta esta capacidade.
- Modo analógico: seja na relação vendedor-comprador ou nos processos de gestão Central, as atividades presenciais e processos em papel /estavam/estão/ bastante presentes.
- Os puxadinhos: são as pequenas ou grandes intervenções na infraestrutura para solucionar problemas pontuais ou principalmente para ampliações, que afetaram a organização geral da Ceasa Curitiba e a adequada circulação interna. Além de concentrar mais construções numa área restrita, não se investiu em novas modalidades de comercialização e de logística. Logo, a cena que se nota é de muitas pessoas em trabalhos precários (especialmente os chapas), ineficiência e baixa produtividade na movimentação dos produtos e certa desorganização no uso do ambiente.
- Segurança alimentar: com este tema, além de design centrado no humano, poderíamos considerar também fundamental o design centrado no alimento. Na cadeia de produção de hortifrutis, a principal ação no pós-colheita é manter a qualidade e integridade dos produtos. Portanto, infraestrutura adequada e procedimentos corretos contribuem para a manutenção desta qualidade. Outra imagem que chama a atenção na Ceasa é o grande volume de desperdício de produtos, resultado de modos inadequados de transporte, armazenagem e movimentação. Além disso, criar as condições para a adoção de procedimentos corretos para garantir a segurança pela higiene.
Cenários para uma nova Ceasa
A partir de uma abordagem sistêmica conectando as 5 categorias/temas, as propostas elaboradas tiveram como uma dos principais apontar as ações e suas diretrizes de implementação, demonstradas a partir de um cenário visualizado e acordado com a diretoria.
Adotando abordagens de Design Thinking e Design de Serviços, as propostas de melhoria para a Ceasa abarcaram diferentes setores e aspectos, desde um novo serviço, a modelagem de um processo, à readequação de infraestrutura até proposição de novas regras. Como por exemplo:
- Propusemos a modelagem de um novo processo de cadastro e monitoramento dos produtores rurais participantes do Mercado do Produtor, adotando procedimento digitais e portaria eletrônica.
- Novos critérios para uso do Mercado do Produtor, diferenciando os pequenos dos médios produtores, como também as cooperativas. Assim, além de revalorizar a missão do Mercado, possibilitaria ampliar o acesso ao Mercado por mais produtores.
- Propusemos a requalificação física do Mercado do Produtor adotando novo sistema informacional, planejamento de fluxos e orientações técnicas para adoção de práticas de limpeza e higienização.
- Estudamos o reordenamento de ocupação do espaço, setorizando os pavilhões e criando novas oportunidades de serviços e atividades econômicas.
- Recomendação de adotar sistemas de geração de energia solar aproveitando as grandes áreas de cobertura já presentes na Ceasa, reduzindo impacto ambiental e gerando economia de gastos com energia elétrica.
Concluindo
As experiências e aprendizados nestes projetos em colaboração com a CEASA/PR evidenciaram que uma abordagem através do design precisa ir a fundo para compreender o contexto do projeto, como também, envolver os atores principais no desenvolvimento e não se limitar aos aspectos clássicos do design. Isto é, considerar o modelo de negócio, gestão e demais que áreas impactam na solução.
A crescente exigência do mercado consumidor por melhores padrões de qualidade está além dos produtos em si. Certamente, reconhecer e valorizar os cuidados com o meio ambiente, com as pessoas, a adoção de relações mais justas e processos ágeis e transparentes em toda a cadeia produtiva são demandas atuais e cada vez mais presentes. Para manter sua relevância cabe às Centrais de Abastecimento e seus principais agentes – técnicos, permissionários, produtores e gestores, o desafio e urgência por inovações que deem sentido às estas aspirações.
*Projetos desenvolvidos através e com o Sebrae/PR