O que buscamos na relação entre Design e Artesanato?
Imagino que falar em artesanato desperta diferentes memórias e percepções a depender do leitor. Para alguns pode vir à mente uma feirinha que visitou, uma peça que comprou, um presente ou talvez você até faça algum tipo de artesanato. Enfim, são diversas as possibilidades. Até o ano 1997 minha ideia de artesanato passava por alguns poucos produtos que tinha em minha casa, sobretudo vinculados à ideia de algo que havia sido feito por alguém com muita habilidade e só. Resumindo, uma visão apenas focada nos produtos sem compreender além disso. Logo, pensar em outras relações entre design e artesanato nem passava pela minha cabeça.
Das experiências que marcam
Naquele ano de 1997 eu estava no meio da minha graduação em design de produto na UFPR. Após um período meio monótono, tivemos a feliz oportunidade de participar de um projeto de extensão junto com a Fundação Boticário. O objetivo principal era auxiliar artesãos a criarem e desenvolverem novos produtos feitos em bambu. Contudo, além de discutir sobre a matéria-prima e suas possibilidades, os estudos foram também a cerca de outros conceitos e problematizações que influenciariam o projeto. Questões como: quem eram as pessoas-artesãs que conheceríamos, quais suas expectativas, como produziam seus produtos, como vendiam, quais seus objetivos enquanto artesãos e seres-humanos. Enfim, uma infinidade de questionamentos que nos acompanhou antes e durante o projeto.
Temas que remetiam a identidade, estilo de vida, valores pessoais e coletivos, senso de pertencimento, cultura e por aí vai. Alguns anos depois, já trabalhando profissionalmente, participei da fundação da organização DIA – Design Inovação e Arte. Tinhamos como propósito apoiar grupos artesanais através do design. Realizamos diversas oficinas e consultorias no Paraná e aquelas reflexões da época do projeto com bambus ganharam novos contornos, cada vez mais complexos. Ao conhecer diferentes contextos e pessoas, mais notava a complexidade de imaginar esta relação: o que e como o design poderia colaborar? Afinal, se para uma empresa podemos simplesmente (e aqui faço uma enorme simplificação) propor como deve ser o novo design de um produto, no artesanato, tanto a teoria como a prática indicam que devemos ter um outro modo de se relacionar.
Caminhos para uma relação emancipatória entre designers e artesãos
Para compreender o que poderia vir a ser uma relação entre design e artesanato, durante o mestrado em design tive a oportunidade e desafio de estudar mais a fundo estas questões. Muita coisa bacana, novas descobertas, teorias e neste processo comecei a identificar alguns discursos recorrentes de designers e instituições de apoio. Em geral eram indicações de diretrizes ou princípios para as ações dos designers com os artesãos, como: considerar os desejos e aspirações dos envolvidos e não apenas aqueles dos designers e outros atores externo, respeitar o contexto social e identidade cultural, entre outros. Assim, fui orientado a estudar as ideias educacionais de Paulo Freire pois estes discursos encontravam conexão entre si. Iniciei esta jornada das ideias freireanas ao escrever o artigo Reflexões sobre as intervenções de design no artesanato sob a ótica dos Círculos de Cultura de Paulo Freire, o qual foi selecionado entre os 10 melhores artigos do Congresso P&D 2008.
O artigo analisa estas convergências, busca aprofundar a compreensão destes enunciados e aponta para a necessidade de não reproduzir discursos vazios, isto é, de não se evidenciar na prática do trabalho em conjunto com os artesãos. Portanto, um segundo nível desta aproximação dos conceitos freireanos com as ações de designers no artesanato está em desvelar uma tomada de posição, de evidenciar (consciente ou não) uma visão de mundo expressa nas relações entre indivíduos de repertórios e contextos diferentes. Será que quando digo que estou dialogando, estou mesmo?
Mais que produtos, aprendizado
O sentido da relação entre design e artesanato é baseado no encontro de pessoas, isto é entre designers e artesãos. Trás neste sentido a ideia de mudança: nos produtos, nas percepções, na consciência, enfim, é bastante ampla. Contudo, ao atuar dentro de parâmetros, como o tempo por exemplo, nos cabe entender o encontro como um processo histórico de mudanças gradativas e não de transformação radical. Logo, me parece um tanto ousado e pretensioso dizer que o design transformou uma determinada realidade. Acredito que o fundamento deste processo deve ser de mútua aprendizagem, portanto não se caracteriza como uma ação de design para o artesanato, mas sim com o artesanato.
Na perspectiva dos projetos que apoiam a inserção de designers em grupos artesanais, talvez os principais resultados não vão aparecer imediatamente nos belos produtos que venham compor os catálogos. Nesta visão horizontal das relações, ao gerar aprendizados se propicia a apropriação de conhecimentos. Logo, se internaliza e passa a ser seu, condição necessária para recriar e dirigir seu próprio processo de mudança
Se você deseja conhecer um pouco mais dessa abordagem, o artigo está disponível para download logo abaixo. Depois compartilhe conosco suas percepções.
Artesanato e Círculos de Cultura
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